terça-feira, 3 de dezembro de 2013

ÁRVORE DE NATAL - PARTE 1



ÁRVORE DE NATAL

                Estacionei  o carro e meus olhos se voltaram para as caixas, colocadas na prateleira da parede do fundo da garagem. Pensei comigo. Já está na hora de novo. Suspirei conformada e comecei a deslocar os volumes  para dentro de casa. Ao entrar com a primeira, na sala de visita, esquadrinhei o ambiente  como se escolhesse um canto, um local, mesmo sabendo que o lugar seria o mesmo. Perto da janela, ao lado da “cadeira da vovó”...enfim tudo dentro do mesmo plano, da mesma rotina, como todo final de ano. Começava o ritual de montar a árvore de Natal.
                Larguei a caixa e no caminho para pegar as demais passei na cozinha e  liguei a cafeteira. Um café, preto, forte e doce, iria me ajudar com certeza. Não que a tarefa fosse ruim, desagradável, nada disso. Eram as implicações imateriais dela que me incomodavam. As saudades, as lembranças de Natais de anos anteriores, as pessoas que ano após ano, tornavam a ceia de Natal um momento mais racional, rápido pois tinham a “festa do clube”, - a “visita na casa da titia” -, enfim vinham, cumprimentavam, comiam a ceia e sumiam...até o ano que vem.
            Colorir a casa com luzinhas piscantes, musiquinha eletrônica e repetitiva, laços, guirlandas e bolinhas de vidro cintilantes, era apenas um gesto de decorar uma peça de sua casa ...mas o que estava por trás, lá por dentro, e lá no fundo desse ritual é que realmente mexia comigo.
                Fiz isso, de montar e desmontar árvores de natal desde minha infância, primeiro com minha saudosa e querida vó Sarah, depois com mamãe e papai e finalmente com papai, quando mamãe faleceu... e meu pai insistiu, mesmo de luto..., em comemorar o Natal com os “sobreviventes”.
                Depositei a última caixa e ouvi o gargarejar da cafeteira. O perfume de café fresco invadiu o ar. Um atrativo irresistível, que me fez ir até a cozinha, para me servir de uma enorme caneca de café e....bem.... começar a tarefa de montar mais um Natal!
Ajoelhei-me e comecei a abrir os volumes, tirando com cuidado as fitas adesivas. Afinal esses enfeites teriam de voltar para essas mesmas caixas e ficar hibernando por mais um ano ao final das “festas”. Eu sempre preservava o maior número de  caixas do ano anterior pois aquelas que conseguia no mercado atualmente  estavam cada vez mais fracas... a cada ano que passava...assim como mais pálida essa confraternização. Não pense que isso é amargura, ressentimento, ou qualquer outro sentimento auto depreciativo. É apenas e tão somente uma constatação. Os Natais estão se esmaecendo como névoa da madrugada que não resiste ao calor do nascer do Sol. O tom de urgência, de celeridade e, de muita falsidade, estão cada vez mais presentes e tornam-se a tônica das reuniões de família. Todos tem de ir para mais algum lugar depois daqui, porque a família cresceu, tem o filho, a filha, enfim alguém mais em um outro lugar que também precisa da atenção deste ou daquele. Não que isso seja errado, realmente todos precisam ser acolhidos e acarinhados no Natal...ou melhor...em qualquer época do ano, mas isso não justifica, ao meu ver, o aspecto formal e apenas social que as festas natalinas se caracterizaram  no decorrer dos últimos tempos. O motivo espiritual, o motivo verdadeiro dessa comemoração há muito foi relegado a um segundo plano, impondo-se como relevante os pratos que serão servidos na ceia, as roupas novas que serão usadas e a discussão das conquistas materiais conseguidas ao longo do ano que está terminando. Isso é que me incomoda. A falta do SER em detrimento ao TER.
                Lembro-me, quando ainda adolescente, logo após o término da 2ª Guerra, quando o mundo estava se recuperando de seis anos de combates, mortes e desgraças que meu Pai me disse:
“- Margaux...minha filhinha...esse ano nosso Natal vai ser diferente. Não teremos alguns presentes e talvez a ceia de Natal seja um pouco modificada.”
Olhei para mamãe, que estava com os olhos cheios de lágrimas, e perguntei:
- Mamãe, ainda estamos de luto pelo George , por isso não vamos comemorar o Natal ?
- Não minha filha, é que não temos dinheiro para comprar as coisas para o Natal, nem os presentes. E quanto ao George não se preocupe pois onde ele está agora sempre é Natal.
George era meu irmão mais velho, bem mais velho, e havia falecido durante uma batalha contra os alemães no leste da Europa. A última imagem que tenho dele é vendo o seu embarque na Base Aérea de Nova York, em direção a Europa, para combater Hitler – como ele dizia -. Após alguns meses recebemos um telegrama, e uma caixinha marrom contendo as placas identificativas dele, entregues por um sargento da intendência ao meu Pai. E tudo isso ocorreu perto do Natal.
Foi vovó, a mãe de papai, quem salvou a situação, levantando o “moral da tropa” como ela dizia.
- Vamos comemorar o Natal sim! – disse vovó SARAH com ênfase - .... Mas de um jeito diferente.... Sem presentes, rapapés sociais, ou comidas nababescas. Esse será um Natal de Oração ! Vamos dar uns aos outros os melhores presentes que temos dentro de nós: o AMOR – A FRATERNIDADE –  A SOLIDARIEDADE... e quanto a ceia....bem com certeza Frank vai assar aquelas castanhas no tambor, como faz todo ano...pois bem! vamos buscá-las, lá na pracinha, e elas serão nossa ceia. E você Rute – disse vovó falando com minha mãe – prepare aquela bebida com gengibre e salsaparrilha que será o nosso ponche natalino.
O sinal de mensagem tocou no meu celular me trazendo imediatamente  ao presente e eu me flagrei com o olhar fixo na cadeira da vovó...era ali...ali mesmo ...que eu iria montar a árvore de natal. Li o recado de Greg – meu marido – avisando que iria pegar as crianças na escola e depois iria com elas ao SHOPPING. Sorri ao ler e pensei... – tenho mais tempo para montar os enfeites até a hora do jantar...mãos a obra !!!!.
Sempre fui muito tradicionalista e possuía enfeites antigos, de porcelana, de acetato, verdadeiras jóias que sobreviveram, brava e heroicamente, a convidados infantis, quedas de árvore de natal por ventos e/ou batidas inesperadas... enfim toda sorte de imprevistos e infortúnios porém eles estavam ali... firmes, fortes e prontos a cumprirem o seu papel anual de serem cuidadosamente dependurados por mim na árvore de arame recoberta de folhas de plástico verde. Era uma imitação, estava comigo há 8 anos, a idade de Peter – nosso filho mais velho – e eu sempre montava a mesma árvore -  pois depois que a adquiri sempre tive sorte nos anos seguintes da sua montagem. Mudei de emprego, Greg também foi promovido, nasceu JOSHUA, nosso segundo filho, hoje com  com 4 anos de muita sagacidade, e finalmente conseguimos reformar o anexo a nossa casa e alugá-lo para os universitários que freqüentavam as aulas na Universidade local.
Ora ! nunca tive pelo que me queixar da vida, ela sempre me sorriu e poucas vezes franziu de forma assustadora a  sua carranca para mim. Assim só tenho a agradecer o curso que a existência me determinou e sempre vou procurar ampliar meus horizontes espirituais buscando cada vez mais dar ênfase ao SER...ao poder existir em PAZ... vendo tudo a sua volta sempre em estado de beligerância.
Coloquei os ursinhos, sempre aos pares, e depois aquele boneco de neve que um dia foi branco  como o uniforme de uma enfermeira e hoje está amarelado pelo tempo. No fundo da caixa o cordão de luzes multicoloridas espera pacientemente o seu teste. Pisca sim...pisca não...AH MEU DEUS ! ... aquela fileira ali não acende...tenho de testar as lâmpadas. No final elas acendiam todas e coloriam a árvore dando brilho e vida aos enfeites lustrosos e refletivos.
Busquei as extensões, fiz as ligações, gruda com fita daqui, cola ali e PRONTO ! Minha obra natalina para este ano estava concluída. Voltei à cozinha e me servi de mais um café, encostando-me no batente da porta para admirar minha obra.
Tudo estava lá... o quadro completo.... árvore, enfeites, luzes – piscando ou não piscando -, poltrona da vovó e....VOVÓ SARAH  sentada nela, sorrindo, como sempre fazia quando me enxergava. Larguei a xícara, que caiu no chão de cerâmica da cozinha espatifando-se em mil cacos. Avancei em direção aquela poltrona, ávida de abraçar vovó e quando constatei que o móvel estava vazio ajoelhei-me na frente dele e deixei escorrer duas lágrimas pelo meu rosto afogueado pelo susto.
Por alguns segundos me senti amortecida e com muito....muito frio. Foi então que senti no ombro a mão cálida e reconfortante. Levantei os olhos e lá estava ele – GEORGE, meu querido irmão, elegante, sorridente no seu impecável uniforme de piloto. Quis falar alguma coisa, faltou-me a voz e só consegui ouvir a voz de GEORGE me informando:
- MARGAUX...minha querida irmã... Venha comigo. Vamos comemorar o Natal com a Vovó SARAH e papai e mamãe.
Simplesmente não resisti e em segundos senti-me flutuando ao lado de GEORGE.
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 .....................CONTINUA............................




               



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