ÁRVORE DE NATAL
Estacionei
o carro e meus olhos se voltaram para as
caixas, colocadas na prateleira da parede do fundo da garagem. Pensei comigo.
Já está na hora de novo. Suspirei conformada e comecei a deslocar os volumes para dentro de casa. Ao entrar com a primeira,
na sala de visita, esquadrinhei o ambiente como se escolhesse um canto, um local, mesmo
sabendo que o lugar seria o mesmo. Perto da janela, ao lado da “cadeira da
vovó”...enfim tudo dentro do mesmo plano, da mesma rotina, como todo final de
ano. Começava o ritual de montar a árvore de Natal.
Larguei
a caixa e no caminho para pegar as demais passei na cozinha e liguei a cafeteira. Um café, preto, forte e
doce, iria me ajudar com certeza. Não que a tarefa fosse ruim, desagradável,
nada disso. Eram as implicações imateriais dela que me incomodavam. As
saudades, as lembranças de Natais de anos anteriores, as pessoas que ano após
ano, tornavam a ceia de Natal um momento mais racional, rápido pois tinham a
“festa do clube”, - a “visita na casa da titia” -, enfim vinham,
cumprimentavam, comiam a ceia e sumiam...até o ano que vem.
Colorir a casa com luzinhas
piscantes, musiquinha eletrônica e repetitiva, laços, guirlandas e bolinhas de
vidro cintilantes, era apenas um gesto de decorar uma peça de sua casa ...mas o
que estava por trás, lá por dentro, e lá no fundo desse ritual é que realmente
mexia comigo.
Fiz
isso, de montar e desmontar árvores de natal desde minha infância, primeiro com
minha saudosa e querida vó Sarah, depois com mamãe e papai e finalmente com
papai, quando mamãe faleceu... e meu pai insistiu, mesmo de luto..., em
comemorar o Natal com os “sobreviventes”.
Depositei
a última caixa e ouvi o gargarejar da cafeteira. O perfume de café fresco
invadiu o ar. Um atrativo irresistível, que me fez ir até a cozinha, para me
servir de uma enorme caneca de café e....bem.... começar a tarefa de montar
mais um Natal!
Ajoelhei-me e comecei a abrir os
volumes, tirando com cuidado as fitas adesivas. Afinal esses enfeites teriam de
voltar para essas mesmas caixas e ficar hibernando por mais um ano ao final das
“festas”. Eu sempre preservava o maior número de caixas do ano anterior pois aquelas que
conseguia no mercado atualmente estavam
cada vez mais fracas... a cada ano que passava...assim como mais pálida essa
confraternização. Não pense que isso é amargura, ressentimento, ou qualquer
outro sentimento auto depreciativo. É apenas e tão somente uma constatação. Os
Natais estão se esmaecendo como névoa da madrugada que não resiste ao calor do
nascer do Sol. O tom de urgência, de celeridade e, de muita falsidade, estão
cada vez mais presentes e tornam-se a tônica das reuniões de família. Todos tem
de ir para mais algum lugar depois daqui, porque a família cresceu, tem o
filho, a filha, enfim alguém mais em um outro lugar que também precisa da
atenção deste ou daquele. Não que isso seja errado, realmente todos precisam
ser acolhidos e acarinhados no Natal...ou melhor...em qualquer época do ano,
mas isso não justifica, ao meu ver, o aspecto formal e apenas social que as
festas natalinas se caracterizaram no
decorrer dos últimos tempos. O motivo espiritual, o motivo verdadeiro dessa
comemoração há muito foi relegado a um segundo plano, impondo-se como relevante
os pratos que serão servidos na ceia, as roupas novas que serão usadas e a
discussão das conquistas materiais conseguidas ao longo do ano que está
terminando. Isso é que me incomoda. A falta do SER em detrimento ao TER.
Lembro-me,
quando ainda adolescente, logo após o término da 2ª Guerra, quando o mundo
estava se recuperando de seis anos de combates, mortes e desgraças que meu Pai
me disse:
“- Margaux...minha
filhinha...esse ano nosso Natal vai ser diferente. Não teremos alguns presentes
e talvez a ceia de Natal seja um pouco modificada.”
Olhei para mamãe, que estava com
os olhos cheios de lágrimas, e perguntei:
- Mamãe, ainda estamos de luto
pelo George , por isso não vamos comemorar o Natal ?
- Não minha filha, é que não
temos dinheiro para comprar as coisas para o Natal, nem os presentes. E quanto
ao George não se preocupe pois onde ele está agora sempre é Natal.
George era meu irmão mais velho,
bem mais velho, e havia falecido durante uma batalha contra os alemães no leste
da Europa. A última imagem que tenho dele é vendo o seu embarque na Base Aérea
de Nova York, em direção a Europa, para combater Hitler – como ele dizia -.
Após alguns meses recebemos um telegrama, e uma caixinha marrom contendo as
placas identificativas dele, entregues por um sargento da intendência ao meu
Pai. E tudo isso ocorreu perto do Natal.
Foi vovó, a mãe de papai, quem
salvou a situação, levantando o “moral da tropa” como ela dizia.
- Vamos comemorar o Natal sim! –
disse vovó SARAH com ênfase - .... Mas de um jeito diferente.... Sem presentes,
rapapés sociais, ou comidas nababescas. Esse será um Natal de Oração ! Vamos
dar uns aos outros os melhores presentes que temos dentro de nós: o AMOR – A
FRATERNIDADE – A SOLIDARIEDADE... e
quanto a ceia....bem com certeza Frank vai assar aquelas castanhas no tambor,
como faz todo ano...pois bem! vamos buscá-las, lá na pracinha, e elas serão
nossa ceia. E você Rute – disse vovó falando com minha mãe – prepare aquela
bebida com gengibre e salsaparrilha que será o nosso ponche natalino.
O sinal de mensagem tocou no meu celular
me trazendo imediatamente ao presente e
eu me flagrei com o olhar fixo na cadeira da vovó...era ali...ali mesmo ...que
eu iria montar a árvore de natal. Li o recado de Greg – meu marido – avisando
que iria pegar as crianças na escola e depois iria com elas ao SHOPPING. Sorri
ao ler e pensei... – tenho mais tempo para montar os enfeites até a hora do
jantar...mãos a obra !!!!.
Sempre fui muito tradicionalista
e possuía enfeites antigos, de porcelana, de acetato, verdadeiras jóias que
sobreviveram, brava e heroicamente, a convidados infantis, quedas de árvore de
natal por ventos e/ou batidas inesperadas... enfim toda sorte de imprevistos e
infortúnios porém eles estavam ali... firmes, fortes e prontos a cumprirem o
seu papel anual de serem cuidadosamente dependurados por mim na árvore de arame
recoberta de folhas de plástico verde. Era uma imitação, estava comigo há 8
anos, a idade de Peter – nosso filho mais velho – e eu sempre montava a mesma árvore
- pois depois que a adquiri sempre tive
sorte nos anos seguintes da sua montagem. Mudei de emprego, Greg também foi
promovido, nasceu JOSHUA, nosso segundo filho, hoje com com 4 anos de muita sagacidade, e finalmente
conseguimos reformar o anexo a nossa casa e alugá-lo para os universitários que
freqüentavam as aulas na Universidade local.
Ora ! nunca tive pelo que me
queixar da vida, ela sempre me sorriu e poucas vezes franziu de forma
assustadora a sua carranca para mim. Assim
só tenho a agradecer o curso que a existência me determinou e sempre vou
procurar ampliar meus horizontes espirituais buscando cada vez mais dar ênfase
ao SER...ao poder existir em PAZ... vendo tudo a sua volta sempre em estado de
beligerância.
Coloquei os ursinhos, sempre aos
pares, e depois aquele boneco de neve que um dia foi branco como o uniforme de uma enfermeira e hoje está
amarelado pelo tempo. No fundo da caixa o cordão de luzes multicoloridas espera
pacientemente o seu teste. Pisca sim...pisca não...AH MEU DEUS ! ... aquela
fileira ali não acende...tenho de testar as lâmpadas. No final elas acendiam
todas e coloriam a árvore dando brilho e vida aos enfeites lustrosos e
refletivos.
Busquei as extensões, fiz as
ligações, gruda com fita daqui, cola ali e PRONTO ! Minha obra natalina para
este ano estava concluída. Voltei à cozinha e me servi de mais um café,
encostando-me no batente da porta para admirar minha obra.
Tudo estava lá... o quadro
completo.... árvore, enfeites, luzes – piscando ou não piscando -, poltrona da
vovó e....VOVÓ SARAH sentada nela, sorrindo,
como sempre fazia quando me enxergava. Larguei a xícara, que caiu no chão de
cerâmica da cozinha espatifando-se em mil cacos. Avancei em direção aquela
poltrona, ávida de abraçar vovó e quando constatei que o móvel estava vazio
ajoelhei-me na frente dele e deixei escorrer duas lágrimas pelo meu rosto
afogueado pelo susto.
Por alguns segundos me senti
amortecida e com muito....muito frio. Foi então que senti no ombro a mão cálida
e reconfortante. Levantei os olhos e lá estava ele – GEORGE, meu querido irmão,
elegante, sorridente no seu impecável uniforme de piloto. Quis falar alguma
coisa, faltou-me a voz e só consegui ouvir a voz de GEORGE me informando:
- MARGAUX...minha querida irmã...
Venha comigo. Vamos comemorar o Natal com a Vovó SARAH e papai e mamãe.
Simplesmente não resisti e em
segundos senti-me flutuando ao lado de GEORGE.
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.....................CONTINUA............................